sábado, 14 de junho de 2008

Faces do mesmo texto


Ponto de vista

Textos escritos em 1ª e 3ª pessoas, baseados no conto ‘‘O torcedor’’ de Carlos Drummond de Andrade.

1ªP.

Era dia de decisão de campeonato e eu, desprevenidamente, fui visitar um amigo que morava em um bairro distante de Ipanema. Flamengo versus Atlético Mineiro. Eu, que não torcia por nenhum time, apenas para a seleção, me peguei torcendo pelo Atlético, evitando assim pensar na onda flamenguista que tomaria conta das ruas. Meu amigo e eu não temos carro. Então, se o Flamengo ganhasse, eu teria problemas para voltar para casa.

E não é que, mais uma vez, a lei de Murphy caiu sobre mim? O Flamengo venceu e eu já não encontrava um táxi para me salvar. A solução foi pegar um ônibus lotado de torcedores flamenguistas. Tinha mais bandeiras que gente. A euforia aumentava cada vez mais. Senti como se estivesse dentro do estádio, no campo. Eu era a bola. Jogado, empurrado, pisado.

Ainda bem que ninguém pode ler pensamentos, por que se desconfiassem que eu havia torcido pelo time rival, seria mesmo o meu fim. Mas toda aquela alegria era entorpecente. Viciava. Logo esqueci que era descamisado e me juntei aos flamenguistas que comemoravam a bela vitória. Nem assisti ao jogo. Dancei, pulei, gritei ‘‘Flamengo, Flamengo’’. Uma morena envolveu-me com a bandeira rubro-negra e beijou-me a boca.

Quase desci na Gávea, junto com a animada torcida rubro-negra. Mas lembrei que tinha de trabalhar cedo no outro dia. ‘‘Pessoal, vou me trocar e volto.’’ Desci em Ipanema, já um pouco flamenguista, mas não voltei para a morena enrolada na bandeira nem para a Gávea.

2ªP.

Eváglio saiu aquela tarde para visitar um amigo que morava distante de sua casa em Ipanema. Não era um dia qualquer. Era dia de decisão de campeonato. Se o atlético Mineiro ganhasse, seria menos um problema para Eváglio, já que nem ele nem seu amigo tinham carro. Eváglio queria chegar são e salvo em casa. A torcida flamenguista o assustava.

Para a tristeza de Eváglio, o Flamengo venceu a partida. De fato, o que realmente o irritava eram as torcidas de futebol que atrapalhavam a vida urbana. Não encontrando um taxi, Eváglio não viu saída a não ser tomar um ônibus. Assim que entrou no coletivo, Eváglio viu-se cercado de torcedores do time para o qual não torcido naquele dia.

No ônibus, ninguém percebeu que Eváglio não era flamenguista. Isso não tinha a menor importância. O relevante era a vitória. Era comemorar. O jovem se viu tomado por toda alegria flamenguista e não resistiu: cantou, dançou, enrolou-se na bandeira e beijou a morena ao lado. Tornou-se um torcedor. Até que chegou à Gávea. Ele quase foi levado para uma festa ainda maior, com direito a caipirinha e batucada a noite inteira. Mas preferiu seguir e descer em Ipanema, inventando uma desculpa qualquer. E olha que Eváglio não é flamenguista.

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